Microbioma infantil pode influenciar a ocorrência de diabetes tipo 1...

Os fatores ambientais que comprometem a saúde do microbioma intestinal, tais como o uso generalizado de antibióticos, podem constituir a base de algumas das marcantes diferenças na prevalência de diabetes tipo 1 observadas entre populações vizinhas, dizem pesquisadores finlandeses.
Crianças finlandesas têm um índice muito mais alto de diabetes tipo 1 do que crianças russas na Carélia, região fronteiriça da Finlândia, e uma série de estudos realizados no âmbito de doutorado, pelo Dr. Tommi Vatanen e colaboradores, indica que esta variação pode ser, ao menos em parte, causada por diferenças no microbioma intestinal.
O Dr. Vatanen, do Departamento de Ciência da Computação, Aalto University, Helsinki (Finlândia) e outros estudaram as alterações do microbioma pouco antes do aparecimento do diabetes tipo 1, e também investigaram o impacto do tratamento antimicrobiano no microbioma.
Os resultados foram divulgados em quatro artigos publicados anteriormente, sobre quase 300 crianças na Finlândia, na Estônia e na Carélia russa, juntamente com dados de mais de 1.000 adultos holandeses. Agora o trabalho foi pela primeira vez articulado em conjunto e publicado on-line pela Aalto Yliopisto em 24 de março, como a tese de doutorado de Vatanen.
"A composição da microflora no intestino das crianças foi extremamente diferente entre os recém-nascidos russos e finlandeses, explicou Vatanen em uma coletiva à imprensa na universidade de Aalto.
"Os participantes finlandeses começaram a produzir os autoanticorpos do diabetes tipo 1, ou seja, os primeiros sinais da doença. As crianças russas não produziram autoanticorpos".
Para Vatanen, os achados destacam a importância do microbioma nos primeiros anos de desenvolvimento do sistema imunológico. Ele disse: "De certa forma, os micróbios intestinais ensinam o sistema imunológico. Se algo der errado tão cedo, as doenças autoimunes podem se tornar mais comuns".

Diferenças marcantes desde o início da vida entre a Finlândia, a Estônia e a Carélia russa

Falando ao Medscape, Vatanen disse que, desde muito cedo, quando começaram a estudar as três populações na Finlândia, na Estônia e na Carélia russa, observaram "uma diferença acentuada", então o objetivo tornou-se basicamente encontrar algum detalhe significativos nessas diferenças".
Eles iniciaram este projeto há quatro anos, no início do doutorado. "Naquela época, muito pouco se sabia sobre a microbiota infantil", explicou. "Todo esse campo cresceu tão rapidamente que nós basicamente fizemos o primeiro estudo para descrever a natureza dinâmica do desenvolvimento do microbioma".
A inspiração veio de um trabalho anterior mostrando que, apesar de compartilhar uma região geográfica e um patrimônio genético semelhante, existe um gradiente acentuado para as doenças autoimunes e as alergias entre a Finlândia e a Carélia russa, com, por exemplo, a incidência do diabetes tipo 1 sendo de cinco a seis vezes maior, e a incidência de doenças alérgicas de duas a seis vezes maior na Finlândia.
Além disso, a incidência do diabetes tipo 1 e de alergias tem aumentado rapidamente na Estônia, partindo de níveis semelhantes aos da Carélia russa até os observados na Finlândia, junto com a modernização do estilo de vida nos últimos anos.
Para aprofundar a pesquisa, a equipe realizou o estudo DIABIMMUNE, no qual foram recrutadas 678 crianças e suas famílias na Finlândia, na Estônia e na Carélia russa, sendo todos os lactentes acompanhados até os três anos de idade.
Coletando amostras de fezes mensalmente, junto com amostras de sangue aos três, seis, 12, 18, 24 e 36 meses de idade, a equipe comparou os microbiomas intestinais entre as 222 crianças provenientes dos três países. Eles descobriram que os Bacteroides spp. eram muito menos abundantes entre as crianças russas, mas predominavam entre as crianças finlandesas e estonianas. Em seguida, eles demonstraram que em camundongos os Bacteroides spp. podem ser "silenciadores imunitários", interferindo no desenvolvimento imunitário normal.
Em seguida, a equipe pesquisou 33 lactentes com predisposição genética ao diabetes tipo 1 e encontrou alterações específicas na microbiota intestinal que precedem o início do diabetes tipo 1, e diferenciam os casos nos quais o diabetes progrediu dos casos nos quais a doença não progrediu.
Eles, então, fizeram um estudo (posterior) publicado no periódico Science Translational Medicine, comparando os microbiomas de crianças que nunca haviam tomado antibióticos aos microbiomas de crianças que haviam feito mais de nove tratamentos com antimicrobianos durante os primeiros anos de vida.
A microbiota das crianças tratadas com antibióticos teve menor diversidade tanto em termos espécies bacterianas quanto de cepas bacterianas, com algumas espécies frequentemente dominadas por certas cepas.
E os genes de resistência aos antibióticos nos cromossomos microbianos exibiram um pico de abundância após o tratamento com antibióticos, seguido de um declínio acentuado, embora alguns destes genes tenham persistido mais tempo após o término da terapia antimicrobiana.
Numa quarta pesquisa, publicada no periódico Science, os pesquisadores realizaram o sequenciamento detalhado dos microbiomas intestinais por meio de amostragem fecal de 1.135 participantes da coorte prospectiva holandesa LifeLines com165.000 adultos. Eles também elaboraram questionários para os participantes e verificaram que a composição da flora intestinal se correlacionou a vários fatores, como dieta, uso de medicamentos, número de eritrócitos, cromogranina A fecal, e consistência das fezes. Estes dados deram algumas indicações de possíveis marcadores biológicos de comunidades intestinais normais.

Uso de probióticos poderia prevenir diabetes tipo 1 em recém-nascidos?

Vatanen teve o cuidado de salientar que a partir de suas descobertas não é possível afirmar que o aumento do uso de antibióticos, por si só, esteja causando as diferenças marcantes da incidência do diabetes tipo 1 nas populações estudadas.
O início do diabetes tipo 1 "é bastante complicado, e há vários fatores que o determinam", embora "a microbiota intestinal seja provavelmente um deles", observou o pesquisador.
Vai ser muito trabalhoso e demandará "algum tempo" para aprofundar ainda mais o estudo desta conexão, e estabelecer se existe alguma relação causal, enfatizou Vatanen, lembrando que ele e seus colaboradores já estabeleceram o próximo projeto nesta área.
"Um plano muito concreto que temos a seguir é o de buscar algo que possa ter efeito protetor, caminhando assim um pouco em outra direção", explicou.
"Há algumas descobertas recentes sugerindo que os probióticos, especialmente no início da vida, digamos, nas primeiras quatro semanas, possam proteger contra o diabetes tipo 1."
Estas incluem um conjunto de dados do projeto The Environmental Determinants of Diabetes in the Young (URSO), um estudo internacional em andamento com mais de 7.000 crianças. Em um relatório publicado no periódico JAMA Pediatria em 2015, conforme noticiado pelo Medscape, as crianças com risco genético de diabetes tipo 1 e que receberam probióticos antes dos três meses de idade, tiveram uma redução de 33% no risco de autoimunidade contra as células beta das ilhotas pancreáticas.
Vatanen e colaboradores estão agora na fase do recrutamento de famílias para um estudo com probióticos, no qual algumas crianças irão tomar probióticos, mas outras serão incluídas como controles, em um modelo duplo-cego.
"Assim esperamos aprender algo um pouco mais específico sobre esse efeito protetor dos probióticos", concluiu o pesquisador.
Este trabalho foi generosamente apoiado e subsidiado pelo Helsinki Doctoral Program in Computer Science  (Hecse), pela Juvenile Diabetes Research Foundation (JDRF) e pela Academy of Finland's Center of Excellence in Molecular Systems Immunology and Physiology Research (SyMMyS). Os autores informaram não possuir conflitos de interesse relativos ao tema.
Vatanen T. Metagenomic Analyses of the Human Gut Microbiome Reveal Connections to the Immune System [dissertation]. Helsinki: Aalto University, 2016. 
Até mais.
Fonte: Microbioma infantil pode influenciar a ocorrência de diabetes tipo 1 - Medscape - 3 de mai de 2017.

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