SUS disponibiliza insulina de ação rápida que reduz frequência de hipoglicemias graves e noturnas...
O Sistema Único de Saúde (SUS) passará a disponibilizar insulinas análogas rápidas para o tratamento do diabetes tipo 1. A decisão quanto à incorporação dessa tecnologia foi tomada no final de fevereiro, após análise do Ministério da Saúde motivada por demanda da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). Como o prazo para que o medicamento passe a ser ofertado na rede pública de saúde é de 180 dias contados a partir da publicação no Diário Oficial da União, a medida deve ser efetivada até o final de agosto de 2017.
A Dr. Karla Melo, representante da SBD para os Projetos de Insulinas Análogas e médica colaboradora do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC/FMUSP), explicou, em entrevista ao Medscape, os benefícios que poderão advir dessa inclusão.
O diabetes tipo 1 é uma doença crônica autoimune caracterizada pela deficiência na produção da insulina, sendo assim, a linha de cuidado envolve a administração de insulinas exógenas para manutenção dos níveis normais de glicose no sangue. Atualmente o SUS disponibiliza dois tipos de insulinas humanas recombinantes: insulina humana de ação intermediária (NPH – Neutral Protamine Hagedorn) e a insulina de ação rápida (regular). Enquanto a posologia da primeira consiste em duas a três aplicações ao dia, a insulina regular deve ser administrada 30 minutos antes das três refeições principais.
As insulinas análogas rápidas deverão substituir a insulina humana regular. No momento, existem três tipos de insulinas análogas rápidas no mercado brasileiro: lispro, asparte e glulisina. Esses três produtos, de acordo com o Relatório de Recomendação da Comissão Nacional de Incorporação Nacional de Tecnologias no SUS (CONITEC)[1], são equivalentes entre si.
Os três medicamentos (lispro, asparte e glulisina) apresentam mudanças estruturais moleculares em comparação à insulina regular, algo que resulta em perfis farmacocinéticos distintos. Essas alterações conferem às insulinas análogas uma absorção inicial mais rápida e menor tempo de ação. Enquanto o início da ação da insulina humana regular se dá em 30 minutos, o início da ação das insulinas análogas de ação rápida ocorre entre 10 e 15 minutos. Quanto ao pico de ação, este ocorre entre duas e três horas na insulina humana regular e entre uma e duas horas nas insulinas análogas de ação rápida. Outro parâmetro que difere entre os medicamentos é a duração, com a insulina humana regular apresentando atividade por cinco a oito horas e as insulinas análogas por três a quatro horas[1] .
Como as insulinas análogas de ação rápida apresentam um pico de ação mais precoce, é mais fácil conciliá-las com a absorção de carboidratos complexos, que é iniciada uma hora após a ingestão.
"Isso significa que se temos uma insulina que entra em pico três horas depois de aplicada, o alimento já entrou na circulação uma, duas horas antes", disse a Dra. Karla, acrescentando que essa diferença foi evidenciada na revisão sistemática apresentada em dossiê de autoria da SBD e subscrito por Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Associação de Diabetes Juvenil (ADJ), Associação Nacional de Assistência ao Diabético (ANAD) e Federação Nacional de Associações e Entidades de Diabetes (FENAD). O trabalho foi encaminhado à Comissão Nacional de Incorporações e Tecnologias no SUS (CONITEC) para apreciação.
A revisão, que foi feita a partir de busca nos bancos Medline, Cochrane Central Register of Clinical Trials, LILACS, Database of Abstracts of Reviews of Effects e Embase e que em breve será submetida à publicação em um periódico científico, reuniu 22 artigos publicados entre 1996 e 2011[2-23], somando 6.235 participantes. Desse total, 13 estudos usaram a insulina lispro como intervenção, oito avaliaram a insulina asparte e um incluiu a glulisina. Em todos os trabalhos o grupo de intervenção foi comparado a um grupo que fez uso da insulina humana regular. A partir de meta-análises, foi observado que houve diferença significativa no valor da glicemia duas horas após as refeições.
Com relação à duração de ação, a Dra. Karla explica que, como a insulina humana regular permanece agindo por mais tempo, podem ocorrer mais hipoglicemias no período do sono e também hipoglicemias graves."Antes do jantar, o paciente aplica a insulina regular, ingere o alimento e o medicamento continua agindo entre cinco e oito horas depois, ou seja, atua enquanto o paciente está dormindo. Frequentemente, o indivíduo não acorda e o quadro pode evoluir para hipoglicemia grave que, por sua vez, pode evoluir para convulsão, perda de consciência e até mesmo morte", alertou ela. Esses dados foram constatados na revisão sistemática que revelou redução de 45% na frequência de hipoglicemias noturnas e de 32% na frequência de hipoglicemias graves nos pacientes que receberam as insulinas análogas de ação rápida[1].
Mesmo diante dos achados apontados na revisão sistemática apresentada no dossiê à CONITEC, o órgão, em um primeiro momento, emitiu parecer negativo à incorporação das insulinas análogas de ação rápida ao SUS. No entanto, após consulta pública que recebeu 1.092 contribuições, e novo contato com as entidades demandantes a fim de esclarecer dúvidas, os membros da CONITEC decidiram por unanimidade em favor da incorporação desse medicamento.
Para a Dra. Karla, o principal fator que motivou o primeiro parecer negativo foi a heterogeneidade dos estudos. "Os dois resultados da revisão sistemática acerca da frequência das hipoglicemias foram significativos, porém houve maior heterogeneidade no achado referente à hipoglicemia noturna e, portanto, a comissão foi mais resistente em aceitar essa informação", contou a médica, destacando que ela e equipe se reuniram várias vezes com os membros da CONITEC para explicar o cenário do diabetes tipo 1 no Brasil e as evidências sobre os efeitos das insulinas análogas de ação rápida. Sobre a heterogeneidade das pesquisas, a Dra. Karla afirmou que as insulinas análogas rápidas já estão no mercado há duas décadas.
"Há 20 anos o esquema de tratamento para o diabetes tipo 1 era diferente do utilizado hoje em dia: antigamente usávamos apenas uma ou duas doses de insulina por dia, enquanto atualmente usamos entre três e cinco aplicações diárias. Essa diferença se reflete nos estudos e causa heterogeneidade metodológica. Mas é importante entender que o resultado que obtivemos é muito coeso", disse, reforçando que "as insulinas análogas rápidas já fizeram a diferença na vida de muitos pacientes diabéticos e os pacientes do SUS também merecem ter acesso".
Segundo a especialista, o cenário atual do diabetes tipo 1 no Brasil é muito ruim: "temos um controle glicêmico muito inadequado com hemoglobina glicada média de 9,1% em adultos e 9,4% entre as crianças e os adolescentes, o que expõe esse grupo ao desenvolvimento de complicações", destacou.
A médica acredita que a incorporação desses fármacos no SUS pode contribuir não apenas para a redução dos eventos de hipoglicemias graves e noturnas, mas também permitirá que os pacientes façam melhor gerenciamento de doses e aplicações.
"Como as insulinas análogas rápidas iniciam a ação e têm pico mais precocemente, elas podem ser administradas imediatamente antes ou logo após a refeição, sem comprometer o resultado. Não é possível aplicar a insulina humana regular depois da refeição. A recomendação para esse medicamento é de que ele seja aplicado entre 30 a 45 minutos antes da refeição. É muito difícil o paciente saber o que vai comer 30 a 45 minutos antes da refeição. Frequentemente, crianças e idosos não comem toda a refeição servida no prato, o que é um problema no caso das insulinas regulares, mas não nas insulinas análogas, visto que podem ser administradas depois da refeição", disse.
Custo ainda é alto
Outro fator que contribuiu para o parecer negativo na primeira avaliação da CONITEC foi o custo. O preço proposto no dossiê do demandante para incorporação no SUS das insulinas análogas foi cerca de 150% superior ao valor da insulina humana regular[24]. Segundo avaliação, o impacto orçamentário incremental em cinco anos seria de R$ 242 milhões a R$ 404 milhões[1].
Para a Dra. Karla, como houve redução expressiva das hipoglicemias graves com os novos fármacos, o custo acaba sendo justificado pela superioridade do produto. "A avaliação mostrou que o uso de insulinas análogas rápidas apresenta Razão de Custo-Efetividade Incremental favorável em relação ao uso de insulina humana regular, considerando impacto na qualidade de vida e na redução de episódios de hipoglicemias graves", disse, acrescentando que o fato de existirem três produtos no mercado igualmente qualificados possibilita que o Ministério da Saúde estabeleça um processo de concorrência e opte por incorporar ao SUS o medicamento com o custo mais viável.
Ela afirmou ainda que a inclusão poderá reduzir a judicialização do tratamento das pessoas com diabetes, visto que cada vez mais pacientes têm recorrido à Justiça para ter acesso a essas e outras terapias.
"Mas é preciso olhar o lado do paciente do SUS que não tem recurso financeiro e informações suficientes para questionar o próprio tratamento", disse ela.
A recomendação final favorável da CONITEC à incorporação do medicamento no SUS vincula essa decisão à negociação de preço e também à dispensação mediante protocolo clínico. O Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para o tratamento do diabetes tipo 1 está em desenvolvimento.
"Cerca de 60%-70% dos pacientes podem ficar bem com NPH mais insulina análoga rápida e, por isso, pretendemos disponibilizar esse esquema como primeira escada na evolução terapêutica. No entanto, sabemos que ainda haverá casos em que será preciso substituir a NPH por uma insulina análoga basal e em uma parcela ainda menor necessitará da terapia com bomba de insulina. Essas mudanças, no entanto, terão que ser por indicações específicas. Mas ainda não sabemos se o PCDT tratará apenas do esquema NPH e insulina análoga rápida ou se abordará outras necessidades. Esta talvez seja uma oportunidade e uma opção para diminuir a judicialização e dividir os custos do tratamento de pessoas com diabetes tipo 1 entre as três esferas da saúde pública: federal, estadual e municipal", concluiu.
Até mais.
Fonte: SUS disponibiliza insulina de ação rápida que reduz frequência de hipoglicemias graves e noturnas - Medscape - 22 de mai de 2017.
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